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terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25219: As nossos geografias emocionais (23): O Hospital Militar Principal (HMP), à Estrela, e o Anexo, a Campolide, que eu conheci (Carlos Rios / Rogério Cardoso / Jorge Picado / Antóno Tavares / Armando Pires)

Guiné > Bissau > Hospital Militar 241 > O saudoso Carlos Filipe (Porto, 1950-Lisboa, 2017), radiomontador, CCS/BCAÇ 3872 (Galomaro, 1972/74): esteve internado 32 dias em Bissau, no HM 241, antes de ser evacuado, com hepatite, para o Hospital Militar da Estrela em Lisboa, onde iria permanecer 173 dias...

Foto (e legenda);  © Juvenal Amado (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Eis alguns comentários (que republicamos) de camaradas nossos que conheceram o Hospital Militar Principal (HMP), à Estrela, e o seu anexo, em Campolide, na Rua da Artilharia Um, vulgo "Texas".

Antes, porém, convém lembrar que o HMP era constituído nos anos 60/70 por várias áreas fisicamente separadas (*), incluindo o Anexo, a Campolide, na rua  Artilharia 1.



Figura 1 – Esquema do HMP, evidenciando as três áreas geograficamente separadas:  a área 1 (o "núcleo histórico"), na Calçada da Estrela, contíguo ao Jardim da Estrela; a área 2 (nas traseiras da Basília da Estrela); e a área 3, delimitada pelo início da Av Infante Santo (no sentido descendente) e a Rua de Santo António à Estrela (que inclui o edifício de 12 pisos, a Casa de Saúde da Família Militar, construído já 8 em 1973).  O Anexo, a Campolide, não consta aqui desta figura.

(Com a devida vénia... Fonte: Anuário do HMP de 2004, citado por major Rui Manuel Pereira Fialho, "Alterações na estrtutura do Hospital Militar Principal", Revista Militar n.º 2566 - Novembro de 2015, pp 909 - 918. (Disponível aqui em pdf: https://www.revistamilitar.pt/artigopdf/1064).


Carlos Rios, ex-furriel mil, CCAÇ 1420 (Fulacunda, 1965/67)

(…) Fui dos que passou pelas instalações e sofri as piores atribulações [n]aquelas miseráveis e desumanas instalações, principalmente o anexo (Texas), do Hospital Militar Principal (HMP).

Ali passei seis anos com imensas operações, vindo a ficar estropiado, de 1966 a 72. 

O director era um déspota bem como a maioria do pessoal ligado àquilo que deveria ser o lenitivo para as misérias que nos atingiam mas que afinal se vinha a transformar como que um castigo por termos sido feridos. De tal maneira que já no Depósito de Indisponíveis, onde se encontrava o pessoal em tratamentos ambulatórios, termos sido metidos nas escalas de serviço, como se os doentes em tratamento estivessem numa Unidade.

Imagina um Oficial de dia,  quase maneta,  e eu próprio, já coxo, a fazer o içar da bandeira na porta de armas, vindo ao exterior a comandar a guarda e dar ordens militares para o caso. Fui um espectáculo macabro, eu só consigo andar com uma bengala. Calcula o ridículo.

No decrépito anexo não havia um espaço onde pudessemos ter um bocadinho de lazer, havendo apenas uma horrorosa cantina pequena para largas centenas de todo o tipo de doentes, cegos, amputados, loucos, etc...tudo á mistura. 

Não podiamos estar nas camas depois das nove horas nem sair para o exterior antes das catorze, exceptuando os acamados. Era-nos sugerido, quase obrigado, que não andássemos fardados. 

Enfim atribulações e peripécias dos pobres que eram arrancados às familias para servir alguém. (...) (**)

Rogério Cardoso, ex-fur mil, Cart 643, Águias Negras (Bissorã, 1964/66)

(…) Também eu passei as passas do Algarve no chamado Texas [na Rua da Artilharia 1]. Estive lá de fevereiro de 1966 a meados de 1967.

De facto o Director era uma pessoa intragável, assim como muito do pessoal lá destacado. Voltando ao director, assisti uma vez, ele dar uma bofetada num 2º sarg enf por ele não ter chamado á atenção de um fur mil que estava deitado em cima da cama, pelo meio da manhã. O homem até chorou, pela humilhação sofrida. (…)

 (…) Estou lembrado de mais uma cena humilhante. Nós, sargentos, instalados no anexo Texas,  frequentemente tínhamos consultas no HMP, à Estrela, estou a falar no ano 1966. A deslocação era feita numa carrinha Mercedes, salvo erro de 18 lugares. 

Até aqui tudo bem, mas a nossa vestimenta era pior do que a de um recluso. Calças de cotim com dezenas de carimbos com uma estrela, com os dizeres HMP, camisa branca sem colarinho tipo moço de estrebaria, também com carimbos, casaco cinzento de golas largas (capote cortado a 3/4) e barrete branco de algodão, igual aos que os velhotes usavam para dormir no século XIX, além de sapatilhas brancas.

A nossa vestimenta era mais do que ridícula, os reclusos eram uns "pipis" comparando. Era o tratamento a que os combatentes que tiveram azar, eram sujeitos. (…)  (**)


Jorge Picado, ex-cap mil, CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, na CART 2732, Mansabá e no CAOP 1, Teixeira Pinto, 1970/72


(...) No Hospital, Anexo (ou "Texas"),  existente na Rua de Artilharia 1, tive as primeiras visões horríveis, do que me poderia esperar, qualquer que fosse o TO que me saísse na rifa. 

Isto aconteceu talvez nos finais de setembro de 1969, quando estava a frequentar o CPC em Mafra. Aí funcionavam, não sei se outras, as consultas de Ortopedia, para onde fui encaminhado pelo Oficial Médico mil da EPI, face aos problemas da coluna lombar de que já padecia.

Para chegar à zona das consultas tinha de percorrer vários corredores (ou seria só um muito comprido, mas dividido por várias portas?), atulhados com macas ocupadas por estropiados brancos e negros, meio ao "Deus dará". 

Da primeira vez fiquei meio "zonzo" com aquelas cenas e nas seguintes procurava chegar rapidamente ao local olhando par o ar...

Quanto ao Cap Med do QP, chefe da Ortopedia, fiquei com as piores recordações, respondendo-lhe "torto" e chamando-lhe a atenção que não estava a falar para um analfabeto, mas sim para um licenciado como ele, mas isso são outros contos. (...)(**)


António Tavares, ex-fur mil, CCS/BCAÇ 2912 (Galomaro, 1970/72)


 (...) Em Janeiro de 1969 estive internado no anexo do Hospital Militar Principal, Rua Artilharia 1, onde vi e assisti a episódios sem classificação...

Impossível a sua descrição. (...) (**)

Armando Pires, ex-fur mil enf, CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70

(...) Conheci o Hospital Militar Principal, à Estrela, e o Anexo, na Rua de Artilharia Um, a Campolide, em dois momentos diferentes da minha carreira militar: primeiro como internado (Março a Maio de 67) e a seguir como enfermeiro (Junho/67 a Outubro/68).

 Em Outubro iniciei a formação do Batalhão  [BCAÇ 2861] e em Fevereiro parti para a Guiné. 

Vamos ao Hospital. 

(i) A Estrela [HMP], após o início da guerra, foi equipada  com o que de melhor havia e nela trabalhava obrigatoriamente a nata da classe médica portuguesa. 

(ii) O Anexo de Campolide [na Rua Artilharia Um] funcionava como centro de recuperação para os mutilados, para os necessitados de apoio psiquiátrico e psicológico, também como linha de apoio a várias especialidades médicas da chamada "medicina geral", e ainda como "depósito de feridos ou doentes de guerra" em regime ambulatório... porque era preciso criar vagas para os casos mais graces no Hospital Principal.  

Sim, têm razão quase todos os comentários que aqui foram produzidos sobre o Anexo. Decrépito, sem dignididade hospitalar, refeitório de miserável qualidade alimentar e roupas militares próximo da indigência humana. 

Mas, atenção, o chamado serviço 6, no topo norte do Anexo, onde eram recebidos para convalescênça os mutilados, era um lugar à parte. Digno! 

E já agora o pessoal. Por favor, não confundir os militares que ali eram colocados em serviço de linha com o pessoal médico e enfermeiros.

Sim, de acordo, o Director era uma besta! 

E já agora, nada de exageros. Ali não eram despejados cadávares e feridos. Os mortos tinham uma capela enorme para os manter em ambiente de dignidade antes dos funerais. 

Os feridos iam sempre, em primeiro lugar, ao Hospital Principal. 

Muito, mas muito, haveria para dizer. Mas este é apenas o espaço de comentário e pareceu-me haver aqui algum exagero e alguma injustiça. Só isso. As minhas desculpas e o meu abraço,  camarada. (...) (***)

 ____________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 26 de fevereiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25215: As nossas geografias emocionais (22): O antigo Hospital Militar Principal (HMP), Lisboa, Estrela

(**) 1 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8455: Memória dos lugares (156): Texas, o anexo do Hospital Militar Principal, na Rua da Artilharia Um, em Lisboa (Carlos Rios / Rogério Cardoso / Jorge Picado / António Tavares)

(***) Vd. poste de 22 de junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8459: (Ex)citações (142): Em defesa do Hospital Militar Principal (Armando Pires, ex-Fur Mil Enf, CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70)

quinta-feira, 11 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24307: Facebook...ando (27): Op Neve Gelada, na zona de Campã / Cantiré, 5 km a norte de Canquelifá, onde estavam as bases de fogos (morteiro 120 mm e foguetões 122) usados contra Canquelifá



Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Sector L4 (Piche) > Canquelifá > Março de 1974 >  O José Marques junto a um dos morteiros 120 capturados no dia 21 de março de 1974, pelos Comandos Africanos na zona de Canquelifá, quando arrumávamos as respectivas granadas. Cortesia de José Marques (Castelo de Vide) (não sabemos ainda a que unidade/subunidade pertenceu, mas fica convidado para integrar o blogue, é apenas amigo do Facebook).

Foto (e legenda): © José Marques (2023). Todos os direitos reservados. 
[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1.  Seleção de comentários, gerados no Facebook da Tabanca Grande (*), na sequência da publicação do poste P24305 (**):

(i) Tabanca Grande:

Depois do ataque e destruição da tabanca de Canquelifá, 18 de março de 1974, por fogo IN de morteiro 120 mm e foguetões 122 mm), foi desencadeada a Op Neve Geada, de 21 a 23 de março de 1974, tendo sido batida a zona de Campã / Cantiré, sector L4 (Piche), a cerca de 5 km, a noroeste Canquelifá, numa ação levada a cabo pelo BCmds da Guiné, a três agrupamentos. 

 Na zona estava referenciada uma base de fogos IN. No dia 21, pelas 14h45, a base de fogos foi assaltada, tendo sido apreendidos: 

  • 3 morteiros 120 mm; 
  • 367 granadas de morteiro 120 mm;
  • 1 LGFog RPG-2; (iv) 2 espingardas automáticas Kalashnikov; 
  • e material diverso.

No dia seguinte, pelas 10h00, foi assaltada nova base de fogos e capturadas três rampas de foguetões 122 mm, além de material diverso (munições, espoletas, munições., etc.). Baixas: 2 mortos e 24 feridos, do lado das NT; 27 mortos, incluindo 2 cubanos, do lado do IN. 

Fonte: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico- Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da Actividade Operacional: Tomo II - Guiné - Livro III (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2015). pp. 479/480.)

(ii) O cor 'comando' ref Raul Folques acrescentou o seguinte:

Na Op.Neve Gelada, zona de Canquelifá, o Batalhão de Comandos da Guiné capturou ao IN_:
  • 3 mort. 120mm completos;
  • 1 tubo de mort. 120mm , 2 tripés, 1 prato/base;
  • e 367 granadas de mort.120mm. 
A operação teve lugar no fim de Março de 1974.

(iii) O Cherno Baldé levantou a questão da localização das bases de fogos:

Tabanca Grande Luís Graça, não fosse essa operação dos Comandos Africanos,  efectuada na localidade de Campã para aliviar a pressão sobre Canquelifá, ainda hoje continuariam a pensar que as bases de fogo se localizavam sempre a partir dos territórios vizinhos e assim justificar a impotência do exército português de fazer parar estes ataques. 

Antes de Canquelifa já tinha havido ataques as cidades de Bafatá e Gabú com foguetões e morteiros 120, no Sul os bombardeamentos eram constantes e temos os casos de Cufar,  por exemplo, sendo que são localidades no interior do território.


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu >  Pormenor da carta de Canquelifá (1957) (Escala 1/50 mil) > Posição relativa de Canquelifá, tendo a noroeste Copá, e a norte, Campá (5 km em linha reta) e Cantiré (7 km) e, mais acima, os marcos fronteiriços 60, 61 e 62 que o PAIGC devia atravessar vindo as duas bases logísticas no Senegal.

(iv) A Tabanca Grande esclareceu:

Cherno, o PAIGC tinha camiões russos, em março de 1974 (e já antes, desde pelo menos 1968)... Podia perfeitamente penetrar com os morteiros 120 no território da então colónia portuguesa da Guiné... A partir de março de 1973, devia sentir-se mais "à vontade" com a proteção do Strela...

O cor 'comando' Raul Folques, "Torre e Espada", que comandava o Batalhão de Comandos da Guiné na Op Neve Gelado (mas também o cor 'comando' Carlos Matos Gomes, que comandava um dos três Agrupamentos) é que nos pode confirmar hoje (já não é segredo de Estado) se entrou ou não na República da Guiné e se as bases de fogos dos morteiros 120 mm (e dos foguetões 122 mm) estavam ou não em território da Guiné-Bissau, como parece sugerir o Cherno Baldé...  

Em relação à localização das bases de fogo, verificamos pela carta de Canquelifá (1957) (Escala 1/50 mil), que Campã (e não Campiã), uma antiga tabanca, ficava a 5 km, a norte de Canquelifá... Deve ser sido aqui que o PAIGC posicionou os morteiros 120 mm, cujo alcance máximo era de 5700 metros... Cantiré ficava um pouco mais mais longe (cerca de 7 km em linha reta)... 

Portanto, o que o Chermo Baldé diz, é correto. O PAIGC arriscou entrar no território da então Guiné portuguesa, confiando nos seus mísseis Strela... Nem  sempre as viaturas russas Zil e Gas ficaram na fronteira, nem os tipos do PAIGC deviam saber onde ficavam os marcos... Mas a verdade é que desta vez, e talvez por excesso de autoconfiança, não contaram com os comandos africanos, comandados pelo major 'cmd' Raul Folques, que apanharam 3 morteiros pesados completos mais um tubo, e provocaram 27 baixas mortais ao IN, incluindo 2 'internacionalistas' cubanos (que deviam ser apontadores de morteiro)... (Op Neve Gelada, 21 e 22 de março de 1974.)

Quanto à flagelação da Bafatá, meu caro Chermo,  terá sido efetuada apenas com foguetões de 122 mm, como diz (e bem) o... por certo que os combatentes do PAIGC, por muito valentes que fossem, não entraram pela Zona Leste  / Região de Bafatá com os morteiros 120 mm às costas, ou rebocados pelos camiões Gas ao longa da "autoestrada" do leste (que ia praticamente de Buruntuma a Bambadinca, no final da guerra).. Recorde-se que cada morteiro 120, completo (tubo, bipé e prato)  pesa "só" 275 kg (fora as granadas)...

(v) Esclarecimento de António Tavares:

O primeiro ataque a Bafatá com foguetões de 122 mm foi feito da Zona de Acção da responsabilidade da CCaç 2699, sediada em Cancolim, em 1971. A rampa de lançamento foi deixada no local onde foi montada. Felizmente não houve feridos.
Gosto

(vi) Informação do António Rodrigues:

Em Copá, nos meses de Janeiro e Fevereiro de 74, caíram algumas centenas de granadas deste morteiro.

Contávamos todas as saídas e, poucos segundos depois estávamos a contar as explosões junto de nós e só ficávamos descansados quando explodia a última de cada série, felizmente sem consequências físicas para nenhum de nós.
___________

Notas do editor:

(*)  Último poste da série > 24 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24247: Facebook...ando (26): Homenagem ao Xico Allen (1950-2022): a filha Inês, em Fátima, no passado sábado, no convívio anual da CCAÇ 3566, "Os Metralhas" (Empada e Catió, 1972-74)

segunda-feira, 14 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23076: (De)Caras (185): Isabel Amora (1946-2020), a cantora "ié-ié" que atuou em Jabadá, para os militares da CCAV 2484 (1969/70) (Manuel Antunes / Fernando Feio)... mas também em Galomaro, em 1971, ao tempo do BCAÇ 2912 (António Tavares)


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5

Guiné > Região de Quínara > Jabadá > CCAV 2484 (1969/70) >  A cantora ié-ié Isabel Amora, atuando para os militares do aquartelamento, que ficava na margem esquerda do Rio Geba. Fotos do Manuel Antunes, ex-sold cond auto, CCAV 2484, Os Dragões de Jabadá (*)

Fotos (e legenda): © Manuel Antunes (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas dfa Guiné] 


1. O nosso camarada, Manuel Antunes, que vive há mais de meio século em Toronto, Canadá, acaba de confirmar o nome da artista que atuou para ele e os seus camaradas, os  "Dragões de Jabadá" (Fotos nº 1 e 2), em data que não precisa, mas que só pode ter sido entre 4 de março de 1969 e 9 de dezembro de 1970 (A CCAV 2484 / BCAV 2867 assumiu o subsector de Jabadá em 4 de março de 1969, e foi rendida em 9 de dezembro de 1970, recolhendo a Bissau para regresso à Metrópole.)

Quem primeiro identificou a cantora (Foto nº 2) foi o Francisco Feio, ex-1º cabo mecânico, também da CCAV 2484: "Isabel Amora, nome artístico, tenho fotos dela e dos outros dois artistas que estiveram no mesmo concerto" (11 de março de 2022 às 22:55, comentário ao poste P23069 (*)

O Manuel Antunes mandou mais duas fotos desse espectáculo com a tal Isabel Amora (Fotos nº 1 e  4). Tudo indica que, nesse espectáculo, a artista tenha aparecido com duas indumentárias diferentes: vestido curto, mas de manga comprida e minissaia (Fotos nºs 1 e 2) e blusa de manga curta e calça à boca de sino (Fotos nº 4 r 5).  

Na primeira atuação, está ao nível dos espectadores, uns sentados, outros de pé, e outros ainda empoleirados numa árvore. O local pode ser a parada do quartel ou as proximidades de alguma das casernas. Na  segunda atuação, está num plano mais alto, num murete, junto à parede de um edifício. 

Na foto nº 3 pode ver-se um pormenor dos sapatos, que parece estarem parcialmente enlameados ou sujos com terra. Na foto nº 5, destaca-se um elemento, feminino, que parece estar a tocar teclas (ou piano elétrico). O Fernando Feio  fala em "mais dois artistas que estiveram no concerto".

2. Quem era a Isabel Amora, que entretanto já morreu, em 2020, com 74 anos?

Segundo elementos que recolhidos na Net, foi uma "pioneira vocalista pop entre nós e que hoje em dia poucos porventura recordarão" (**)... Nasceu na Amora, concelho do Seixal, distrito de.Setubal em 1946.

Isabel Baptista, de seu nome, de muito cedo "começou a mostrar os seus dotes artísticos e musicais cantando o “IÉ IÉ” (estilo de música pop surgido na França, Itália, Espanha e Portugal no início da década de 1960). Há quem diga que o seu estilo preferido era o seguido por Rita Pavone, cantora com sucesso na música Italiana. Infelizmente não temos nenhum registo de som da Isabel a Solo." (...)

(...) "Entre 1965 e 1966, no Teatro Monumental, em Lisboa, teve lugar o famoso Concurso Ié-Ié, e Isabel Amora cantou no evento (embora fora de competição) acompanhada pelos Jovens do Ritmo, da Amora - localidade onde nasceu e que guardou como apelido artístico. (...)


Com Paula Amora, sua prima, Isabel faz o duo Elas, com supervisão do músico Carlos Portugal.  "Entre 1971 e 1972 gravam cinco discos, contando com arranjos de Pedro Osório e com originais de Portugal e de Luís Romão (com percurso de destaque então a solo).

Mas em Jabadá  Isabel deve ter atuado a solo... Segundo a  fonte que estamos a citar (**), "antes do lançamento do Duo Elas, Isabel pela mão da Senhora D. Helena Félix, parte para o Ultramar para cantar para os militares. O seu empresário era o Sr. Munhoz, pai da Sra. D. Eunice Munhoz, com escritório na Praça da Alegria em Lisboa. (...).

(...) "Ainda em 1971, este duo pop canta na inauguração do Centro Comercial Apolo 70, em Lisboa, e participa no único Festival da Canção da Guarda, com 'Sim, Meu Amor Foste o Primeiro'. Depois dos dois últimos discos do duo, em 1972, Isabel Amora ainda cantou em Moçambique a solo e fez teatro alguns anos mais tarde, mas os tempos de glória tinham ficado para trás."

(...) "Em 1972 fizeram uma tournée por todas as praias de Portugal - Concurso Miss Praia 72 - com o patrocínio duma Rádio, com um grupo de músicos de Almada. Participam no programa televisivo que passa na RTP1 - Canal13 - todas as segundas feiras à noite. Programa esse que era gravado no Teatro ABC nos sábados anteriores no Parque Mayer, em Lisboa. (...)

(...) "Alguns anos depois vão para o Porto, onde passam a viver durante um tempo e actuam em vários Casinos portugueses. Acabado esse contrato, a Paula decide casar-se e o Duo dissolve-se. A Isabel retorna a Moçambique, onde encontra família e onde faz a sua vida a cantar com um novo contrato, regressando a Portugal no final deste e dando por finalizada a sua carreira artisitica. A sua vida deixa de ser artística e passa a viver uma vida fora dos palcos. Mais tarde casa-se, mas divorcia-se uns anos a seguir" (...)



3. Diz o António Tavares, também em comentário (*):

(...) "No dia 31 de Março de 1971 houve festa no Quartel de Galomaro. O BCaç 2912 recebeu a Isabel, Tino Costa, Eva Maria e Fernando Correia. Os quatro actuaram a solo e em conjunto, num palco construído para tal fim, na parada do quartel.

"Os Militares e a População local durante umas horas esqueceram a guerra. Existem fotos comprovativas dos artistas em Galomaro. Acabada a actuação os artistas seguiram viagem para Bafatá ou Bambadinca." (*)

Ficamos sem saber quem promoveu o espectáculo em Jabadá (e noutros sítios, como Galomaro): O Movimento Nacional Feminino (MNF)?A atriz Helena Félix (Porto, 1920 - Lisboa, 1991)?  O pai da Eunice Muñoz, que se chamava Hernâni Cardinali Muñoz, e que era o empresário da Isabel Amora?... 

Enfim,  será que estes e outros empresários  fizeram digressões, com artistas da Metrópole,  pelos três teatros de operações (Angola, Guiné e Moçambique), independentemente do Movimento Nacional Feminino? Nesse caso, quem pagava? Era o Exército?

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19139: Efemérides (294): Há 49 anos, neste dia 24 de Outubro, no RAP 2, soube que estava mobilizado para a Guiné (António Tavares, ex-Fur Mil SAM)

Porta de Armas do Quartel da Serra do Pilar - Rua Rodrigues de Freitas


1. Mensagem do nosso camarada António Tavares (ex-Fur Mil SAM da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), com data de 25 de Outubro de 2018:

Camarigos,
Há 49 anos neste dia 24 de Outubro soube que estava mobilizado para a Guiné. Era o meu dia de “Casamento” com o Teatro de Operações do Comando Territorial Independente da Guiné.

A proclamação foi publicada na Ordem de Serviço n.º 250 de 24.10.1969 do RAP 2, que transcrevo:


Nomeação de pessoal para o Ultramar
- Que segundo nota n.º 52400, Pº. 6/4 - HC de 13.10.1969 da RSP/DSP/ME, o pessoal abaixo indicado foi nomeado para servir no Ultramar nos termos da alínea c) do Art.º 3.º do Dec. 42937 de 22/4/60
BCaç.2912/C.Caç.2699, 2700 e 2701/RI 2
B. Caç.2912
ALIMENTAÇÃO – RI 2/RAP 2 ANTÓNIO CARLOS S. TAVARES – 2989/69 – NM 03175469.  

Ao longo dos anos outros nomes e números foram escritos em Ordens de Serviço. Com certeza só a alínea c) do Art.º 3.º do Dec. 42937 de 22/4/60 era comum e aterradora para um jovem em idade militar.

O Quartel de Vila Nova de Gaia – RAP 2 – viu partir milhares de jovens para a Guerra Colonial.
Recebia os Soldados de toda a região Norte mortos no Ultramar.

Nos três meses que estive no RAP 2 vi partir e regressar muitos militares.
Não sei qual o momento mais emotivo a que assisti. A partida era uma incógnita para o desconhecido… Para a Guerra!
Os familiares acompanhavam os militares até aos cais de embarque: Estação das Devesas ou um Cais Marítimo de Lisboa.
A chegada talvez fosse mais emotiva ao receber os Heróis do Ultramar.

As ruas de Rodrigues de Freitas e dos Polacos enchiam-se de pessoas. Estas, quando avistavam os camiões da coluna auto, que transportavam os regressados militares, gritavam e choravam de emoção a chamar os familiares que estiveram na guerra durante dois e até mais anos.
As barreiras colocadas no perímetro da Porta de Armas facilmente eram derrubadas pelo mar de gente.


 
Rua dos Polacos

Os Comandos do quartel davam ordens para os militares, que faziam a segurança, recolherem ao quartel. Assim aconteceu com o meu pelotão.

Para todos uma infinidade de tempo decorria entre os períodos em que o militar entrava no RAP 2 e o que abraçava a família.
Militar que regressava diferente do Homem que tinha partido.
A chamada Peluda ficava para uns meses mais tarde.

O Quartel da Serra do Pilar ao longo dos anos teve vários nomes, a saber:
- Maio 1889 a 1897 – Brigada de Artilharia de Montanha;
- 1897 a 1911 – Baterias Destacadas do RA6, RA4 e RA5;
- 1911 a 1926 – Regimento de Artilharia n.º 6;
- 1926 a 1927 – Regimento de Artilharia n.º 5;
- 1927 a 1939 – Regimento de Artilharia Ligeira n.º 5;
- 1939 a 1975 – Regimento de Artilharia Pesada n.º 2;
- 1975 a 1993 – Regimento de Artilharia da Serra do Pilar;
- 1993 a Julho 2014 – Regimento de Artilharia n.º 5 e
- a partir de Agosto de 2014 - Quartel da Serra do Pilar.

Um Quartel onde assentaram Praça gerações familiares talvez predestinadas para a arma de Artilharia.


 
Obuses na Parada General Torres


“E AQUELES QUE POR OBRAS VALOROSAS SE VÃO DA LEI DA MORTE LIBERTANDO” 
Monumento aos Mortos na Guerra Colonial na Parada General Torres. 
O General Torres foi o 1.º Comandante da Fortaleza da Serra do Pilar.

 

A Caserna dos Polacos da Serra que se distinguiram durante a Guerra Civil (entre as tropas de D. Miguel e D. Pedro IV) e o Cerco Porto (entre Julho de 1832 e Agosto de 1833)

 
Monumento na Parada General Torres, evocativo das Invasões Francesas


A minha despedida do Quartel de Galomaro, nas matas do Leste do Teatro de Operações do Comando Territorial Independente da Guiné, em Março de 1972.


Abraço do
António Tavares
Foz do Douro, Quarta-feira 24 de Outubro de 2018

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Nota do editor

Último poste da série de 24 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19135: Efemérides (293): Homenagem aos paraquedistas que completaram 50 anos de brevet (1968-2018): Tancos, 27 de setembro de 2018 (Jaime Bonifácio Marques da Silva, ex-alf mil pára, 1ª CCP/BCP 21, Angola, 1970/72)

sábado, 28 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18875: Efemérides (290): 4 de Julho – dia da Rainha Santa Isabel – o Dia do Serviço de Administração Militar (António Tavares, ex-Fur Mil SAM)

1. Mensagem do nosso camarada António Tavares (ex-Fur Mil SAM da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), datada de 4 de Julho de 2018:

Camarigos,
Comemora-se hoje dia 4 de Julho – dia da Rainha Santa Isabel – o Dia do Serviço de Administração Militar.

A Rainha Santa Isabel foi proclamada Padroeira do Serviço de Administração Militar - SAM - por Portaria de 16 de Agosto de 1983 e Ordem do Exército n.º 3 (1.ª Série) de 31 de Março de 1984.

- “Pessoal que tem a honra de trabalhar em qualquer parte do território nacional sob o signo dos dois ramos de carvalho, dos dois sabres cruzados e do feixe de espigas de trigo, e para exortar a cumprir com dedicação e modéstia, para Bem Servir.
A exortação é necessária porque o trabalho exigido ao SAM é obscuro, é ingrato, e é sempre penoso; envolve mais modéstia, suor e fadiga do que glória, sangue e lágrimas, e também porque a melhor recompensa que o bom servidor poderá ter será o silêncio dos Comandos, forte indicativo de que a missão foi bem cumprida”.

Daniel Sales Grade
Brigadeiro, Director do Serviço de Intendência
(Julho de 1969)


O Serviço de Administração Militar (SAM) foi criado em 1869. É um Serviço cujos membros estão encarregues de assegurar as áreas de Administração Financeira, Reabastecimento de Combustíveis, Serviços de Aquartelamento e Serviços de Alimentação.

É digna de realce a actuação do SAM na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e na Guerra do Ultramar, em 1961-1974.

Quartel do 1º Grupo Companhias de Administração Militar, na Póvoa de Varzim.

O 1.º GCAM era uma Unidade destinada a especializar Soldados e Cabos Cozinheiros e Sargentos de Alimentação. Tinha quatro Escolas de Recrutas e outros tantos Cursos de Sargentos Milicianos anualmente.

Ponto de passagem de Oficiais Milicianos de Intendência. Largas centenas de jovens, provenientes das mais diversas camadas sociais, oriundos de todas as regiões, frequentaram o 1.º GCAM.

Nesta Unidade tirei o Curso de Sargento de Alimentação, em 20 de Setembro de 1969. Fui SAM até 22 de Março de 1972. Neste período passei 692 dias nas matas do leste do Teatro de Operações do Comando Territorial Independente da Guiné integrado na CCS do BCaç 2912.

O BCaç 2912 em 24 de Abril de 1970, pelas 03 horas, da manhã, foi transportado de comboio desde o Campo de Instrução Militar de Santa Margarida da Coutada até ao cais da Gare Marítima de Alcântara.

Chegada pelas 06H30. Vê-se na imagem os carris e vagões dos comboios, os três médicos do batalhão, alguns camaradas, cestos com pães e atrelado com o café.

O Carvalho Araújo partiu às 12 horas certas rumo ao Comando Territorial Independente da Guiné. Desembarcou no cais de Pidjiguiti em 01 de Maio de 1970.

Equipa de Reabastecimentos do Batalhão de Caçadores 2912
Na foto vemos, a partir da esquerda, na parada do quartel de Galomaro: o Soldado Condutor Auto J. Matias, o 1.º Cabo Escriturário J. Castiço, o Fur Mil SAM Tavares, o Alf Mil do SAM Jesus e o Major Sousa Teles, 2.º Comandante do BCaç 2912, de 1970 a 1972.

Abraço do
António Tavares
Foz do Douro, Quarta-feira 04 de Julho de 2018
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Notas do editor

[1] - Vd. poste de 30 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5375: Patronos e Padroeiros (José Martins) (5): Serviço de Administração Militar - Rainha Santa Isabel

Último poste da série de 10 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18832: Efemérides (289): Romagem ao Cemitério de Lavra em homenagem aos combatentes da guerra do ultramar das freguesias de Lavra, Perafita e Sta. Cruz do Bispo, Concelho de Matosinhos, caídos em Campanha

sábado, 14 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18845: Bombolom XXII (Paulo Salgado): O desembarque das tropas em Cabo Delgado (1915) e no Pidgiguiti (1970)



T/T Carvalho Araújo a caminho da Guiné. A 26 de abril de 1970, avistámos à rè o  T/T Vera Cruz (a caminho de Angola ou Moçambique, presumivelmente).


Foto (e legenda): © António Tavares (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Paulo Salgado, ex-alf mil op esp. CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72


Bombolom III  (Paulo Salgado) (3) > O desembarque das tropas em Cabo Delgado (1915) e no Pidgiguiti (1970)



O desembarque do navio Zaire [1] decorreu num ambiente de estranha confusão a que os militares não estavam habituados, não obstante alguma desorganização nestas circunstâncias, por falta de meios. Durante a viagem, sede, fome e miséria no bojo do Zaire foram uma constante. Depois, do barco até à praia, os soldados sentiram o miserando esforço dos indígenas para carregar às costas os militares. Sim, às costas.

Tenho tido oportunidade de aprofundar os meus conhecimentos, com várias leituras, sobre a primeira grande guerra em África [2]. Estava-se na primeira vintena de anos do século XX, carregada de episódios políticos, nacionais e internacionais, alguns deles relativos às posições assumidas por ingleses e alemães que, no fundo, pretendiam, juntamente com outras potências (França, Itália, Bélgica…), dominar o continente africano, com prejuízo para Portugal, afastando-o, por vezes com maneiras cordatas, diplomáticas, todavia frequentemente pela coação política. Recorde-se o vexame do Ultimato inglês [3], ainda no século XIX, que pensadores e escritores da época apelidaram de enorme afronta do aliado tradicional (por exemplo, Guerra Junqueiro).

Passo, então, a transcrever os seguintes excertos da obra indicada em rodapé (ver nota 2):

«…quando, já noite cerrada, cheguei ao local que o Quartel-general tinha destinado ao estacionamento do meu batalhão [na zona do Rovuma, perto de Porto Amélia - nota deste escriba], encontrei-me numa pequena clareira, raspada à pressa no seio da floresta, sem ar e sem luz, dando-me a impressão do poço Poe [4] aberto na solidão daquele mato…foi ali o nosso primeiro bivaque [5]

Prossegue um pouco mais adiante a descrição pessoal deste ilustrado combatente à chegada ao Norte de Moçambique, em 1915:

«Parece que o Quartel-general ignorava a viagem que há um longo mês vínhamos fazendo em direcção a estas paragens».

Ao ler este precioso depoimento pessoal, de que transcrevi dois breves excertos, decerto escrito em circunstâncias adversas, não posso deixar de referir a viagem atribulada do Carvalho Araújo, nome do bravo marujo, que transportou para o Teatro de Operações da Guiné, na sua primeira viagem [6] após restauro e adaptação a transporte de tropas.

Após a IAO [7], e cumpridas as férias antes do embarque, ia a malta de barco. Ao longo de sete dias, a “carne para canhão” esteve sujeita às miserandas condições de habitação do navio. Sobretudo os soldados viajavam no bojo do barco, em condições deploráveis, enquanto os graduados tinham algo de mais positivo lá no alto.

Sou muito claro: só a necessidade e a obrigação de orientar as tropas nos faziam descer ao fundo, aos graduados, aos porões, onde se jogava às cartas e se vomitava imenso... Uma miséria no ano de 1970!

Igualmente, chegados a Brá – quem lá passou, sabe como era! – distribuíram-nos tendas esburacadas e colchões meio podres, e atacados pela mosquitada. Depois, já no mato, a sobreposição com os “velhinhos”, uma confusão dos diabos…

Como vedes, camaradas, as situações vividas em guerra na África estavam separadas por cerca de cinquenta anos e não houve grandes melhorias. Diferente e melhor na guerra colonial, pois que estavam garantidos na Guiné e, creio, nos restantes TO, o serviço postal militar (SPM), a distribuição, precária mas existente, de víveres e outros produtos, a electricidade fabricada por geradores, o apoio clínico, o apoio pastoral, o apoio dos “héli-canhões” ou dos “fiats”…

Até à próxima crónica do meu bombolom.

Paulo Salgado – 30.6.2018
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Notas do autor:

[1] Foram vários os navios utilizados no transporte de tropas para o norte de Moçambique e sul de Angola durante as operações havidas na Primeira Grande Guerra, por força do confronto entre Inglaterra e Alemanha, e na qual Portugal participou, dada a velha aliança com os ingleses. De acordo com o Capitão-de-Mar-e-Guerra, José António Rodrigues Pereira (Revista Militar, nºs 2551 e 2552), mencionam-se os seguintes navios envolvidos nesta guerra no norte de Moçambique, 1914-1916: Moçambique, Durhan Castle, Beira, Cazengo, Ambaca…

[2] Por exemplo a leitura do livro Epopeia Maldita – o Drama da Guerra de África, de A. Cértima, publicado em 1924, como já referira na crónica anterior do meu Bombolom.

[3] Como é sabido, o governo inglês exigiu a Portugal, em memorando, no ano de 1890, a retirada das forças portuguesas que, por direito, tinham ocupado o território compreendido entre Angola e Moçambique. O governo português e o rei foram muito atacados pelos republicanos. Entre outros intelectuais, Guerra Junqueiro vituperou a concessão do governo e do rei D. Carlos na sua obra, direi patriótica e panfletária, Finis Patriae, onde escreveu versos de revolta, de que ora se recorda «Ó cínica Inglaterra, ó bêbada impudente// Que tens levado, tu, ao negro e à escravidão?» É de recordar, no entanto, que as diversas tomadas de posição por republicanos pouco interesse prático revelaram, como defendia Eça de Queirós.

[4] É uma referência do autor do livro citado (ver nota 2) ao conto ‘O Poço e o Pêndulo’, de Edgar Alan Poe, que fala, como sabeis, de um condenado que sente a sensação horrível de estar preso numa masmorra, num espaço claustrofóbico.

[5] Bivaque designa um acampamento rudimentar para passar a noite na natureza, vigiando. Trata-se de uma expressão muito utilizada nas campanhas militares, herdada da palavra francesa bivouac. Bivaque é também a designação de boné, utilizado por militares ou paramilitares.

[6] Este navio fazia a carreira dos Açores, transportando pessoas e gado dos Açores para o Continente; já meio consumido pelo uso e pelo tempo, foi, por necessidade, transformado em navio transportador de militares para a Guiné. Nele seguiu a CCAV 2721, onde este escrevinhador estava incluído, e duas companhias e uma secção de morteiros.

[7] No Arquivo do Centro de Documentação do 25 de Abril – Universidade de Coimbra, há um texto – que eu conheça, pois haverá outros – sobre a mobilização, a IAO – instrução de aperfeiçoamento militar, que, na Guiné passou a fazer-se, creio eu, a partir de 1972, e que refere o que passo a transcrever:

«O militar era um mobilizado, ia a casa, despedia-se da família, fazia umas asneiras por conta, arranjava umas correspondentes para lhe escreverem, ou umas madrinhas de guerra, e voltava à unidade mobilizadora para daí iniciar verdadeiramente a viagem. Neste regresso faltavam uns quantos camaradas, que tinham decidido dar o salto para o estrangeiro ou baixado ao hospital com uma doença mesmo a calhar, mas os que restavam formavam-se de novo em parada no quartel, com as malas, e embarcavam nas viaturas militares para a estação de caminho-de-ferro mais próxima».

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Nota do editor:

Último poste da série > 19 de junho de 2018  Guiné 61/74 - P18757: Bombolom III (Paulo Salgado) (2): As guerras - a primeira e a colonial

quarta-feira, 2 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18596: Efemérides (280): No dia 1 de Maio de há 48 anos, o BCAÇ 2912 desembarcava no cais de Pidjiguiti (António Tavares, ex-Fur Mil SAM)

EXCELENTE E VALOROSO era a Divisa do BCaç 2912 - RI2


1. Mensagem do nosso camarada António Tavares (ex-Fur Mil SAM da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), datada de 1 de Maio de 2018:

Camarigos,

Neste dia 1 de Maio de há 48 anos, o BCaç 2912 desembarcava no cais de Pidjiguiti.

Quem do BCaç 2912 se reconhece na fotografia?
- Identifico o falecido Comandante.

Chegada do BCaç 2912, em 01 de Maio de 1970, ao cais de Pidjiguiti, em Bissau

Camarada (tratamento entre militares) a esta hora (19 horas) o que estarias a fazer?

- Estarias a caminho do quartel de Brá?
- Dentro do aquartelamento a tratar do teu precário alojamento?
Não sabemos!
Sabemos que já tínhamos percorrido umas milhas terrestres dentro do território guineense.
Sabemos que andávamos cheios de receber Ordens. Ordem para isto… Ordem para aquilo!

E ao final dos dias saía a Ordem de Serviço n.º. xxx do BCaç 2912.
O Comandante do Batalhão determinava e mandava publicar.

Ordens por vezes muito mal dadas pelos comandos…
Tivemos o exemplo disso!
A primeira Ordem que recebi:
- Ir à Manutenção Militar – Intendência – levantar 21 caixas de uísque. Caixas que receberam todas as mordomias até ao quartel de Galomaro.

Quartel de Galomaro, em Maio de 1970

No quartel foram distribuídas somente pelos Sargentos e Oficiais segundo Ordens do Comando. Os milicianos poucas garrafas levantaram. Constava que não faltaria uísque durante a comissão. Foi puro engano.

Embora houvesse a Ordem de não distribuir o uísque às Praças, e dentro dos possíveis, com a colaboração dos Sargentos e Oficiais milicianos, nunca lhes faltou o precioso líquido especialmente nos aniversários.
Os comerciantes vendiam as garrafas de uísque, de qualidade inferior ao da tropa, por valores exorbitantes.

Eu e um Oficial Superior por razões diferentes fomos das pessoas do Batalhão que mais lidámos com o uísque. Até essa data nunca tinha bebido a totalidade do conteúdo de uma garrafa de 0,75 l. Habituei-me a bebê-lo com Coca-Cola.

Recordação do quartel de Galomaro, em Março de 1972

No quartel de Brá encontrei a primeira pessoa conhecida da Foz do Douro. Éramos praticamente vizinhos. Falamos um pouco. Ele, Capitão Miliciano, estava em recuperação em Bissau e na circunstância com as Ordens de receber e alojar o Batalhão.
Eu e um Camarada da CCS encontrámos uma tábua, talvez de alguma cama, e colocámo-la em cima de uma mesa e os dois passámos a noite ao ar livre e de barriga para o ar sem nos mexer. Tínhamos de nos equilibrar. O tombo a dar teria mais de um metro de altura.
Entretanto as cruéis matas do Leste do Comando Territorial Independente da Guiné esperavam-nos. Infelizmente alguns militares do nosso batalhão faleceram neste Teatro de Operações… O Vietname português, de 1963 a 1974.
A primeira morte do BCaç 2912 deu-se nas águas do rio Corubal com o desaparecimento de um militar da CCaç 2701, aquartelada no Saltinho.

Passados quatro anos passaríamos a festejar livremente O Dia do Trabalhador, festejado desde 1886 nos Estados Unidos da América.

Abraço do
António Tavares
Foz do Douro, Terça-feira 01 de Maio de 2018
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de Abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18571: Efemérides (279): O 25 de Abril de 1974... visto de Bissau, através de aerogramas enviados por Jorge Gameiro ( REP / ACAP / QG / CC) à sua esposa Ana Paula Gameiro e ao seu filhinho Nuno Gameiro... Documentação comprada no OLX, há 5 ou 6 anos (Carlos Mota Ribeiro, Maia) - Parte III

quarta-feira, 25 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18561: Efemérides (276): No dia 24 de Abril completaram-se 48 anos após o embarque do BCAÇ 2912, no Cais de Alcântara, com destino à Guiné (António Tavares, ex-Fur Mil SAM)

Navio T/T Carvalho Araújo


1. Mensagem do nosso camarada António Tavares (ex-Fur Mil SAM da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), datada de 24 de Abril de 2018:

Camarigos,
Esta fotografia faz hoje (24.Abril.2018) precisamente 48 anos. Nela, vemos militares do BCaç 2912 que estavam no Cais Marítimo de Alcântara a aguardar a hora de embarque.

Chegámos pelas 06H30 ao cais. Aí tomámos o pequeno-almoço junto ao navio. Depois das cerimónias de despedida subimos o portaló da embarcação. O almoço foi servido a bordo.

António Tavares



 Cozinha de campanha

Embarque do BCAÇ 2912 - Lisboa, 24 de Abril de 1970

O CARVALHO ARAUJO zarpou às 12H00, certas, de Lisboa, rumo ao cais de Pindjiguitti. Para trás ficavam os acenos e gritos lancinantes dos familiares dos militares que se deslocaram ao cais. Algumas famílias viram partir os seus queridos familiares e nunca mais os viram vivos ou mortos. Eu parti só, naturalmente com o pensamento na minha família. Do convés do navio via a Tapada da Ajuda, onde viviam alguns meus familiares. Retenho a imagem de uma cabina telefónica no cais. Interroguei-me se telefonava ou não, a despedir-me. Não telefonei e de bordo enviei um telegrama com os dizeres tipo “chapa” em que somente mudava o nome do militar emitente da comunicação transmitida.

No dia 26 de Abril avistámos à nossa ré o navio VERA CRUZ. Enquanto os dois navios navegavam lado a lado as tropas saudaram-se mutuamente assim como os navios com os apitos da praxe. O Vera Cruz depressa nos ultrapassou devido à maior potência dos seus motores e velocidade de cruzeiro. Os Teatros de Operações do CTIGuiné e de Moçambique aguardavam os três batalhões e os militares individuais que seguiam nos dois barcos.

O Carvalho Araújo fica para trás do Vera Cruz (ao longe)

Após horas e horas de navegação e em alto mar tivemos a companhia de peixes voadores, alguns dos quais morreram na coberta do navio. À ré do CARVALHO ARAÚJO os golfinhos saudavam os militares e estes presenteavam os golfinhos com restos de comida. A cor azul e por vezes esverdeada das águas do mar e do céu fizeram-nos companhia durante muitas milhas náuticas. Experiências e vivências inesquecíveis para cada um dos militares.

Quando entrámos e navegávamos nas águas territoriais do TO do CTIGuiné tivemos a escolta da Lancha de Fiscalização Grande NRP 361, de nome “Lira”. No início da noite de 30 de Abril o navio T/T Carvalho Araújo terminava mais uma das muitas viagens de Lisboa - Guiné - Lisboa.

A Lancha Lira a navegar em águas territoriais do CTIGuiné

Um constante vaivém de navios entre estas duas cidades desde 1963 a 1974. Os militares transportados no CARVALHO ARAÚJO desembarcaram no cais de Pindjiguitti na manhã do dia 01 de Maio de 1970. A terra vermelha, e de clima tropical, caracteristicamente quente e húmido, recebia mais um contingente de tropas. Os guinéus cantavam e dançavam, dizendo: “periquito” vai no mato...

Em Portugal, o Dia da Liberdade viria após quatro anos transcorridos.

Cumprimentos,
António Tavares
Foz do Douro, Terça-feira 24 de Abril de 2018
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de Abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18558: Efemérides (275): O 25 de Abril de 1974... visto de Bissau, através de aerogramas enviados por Jorge Gameiro ( REP / ACAP / QG / CC) à sua esposa Ana Paula Gameiro e ao seu filhinho Nuno Gameiro... Documentação comprada no OLX, há 5 ou 6 anos (Carlos Mota Ribeiro, Maia) - Parte II